o escritor enquanto cão-guia

Grassa, em lusas terras, já há algum tempo, o paradigma do escritor como «cão-guia». O leitor ou leitora, pitosga ou mesmo ceguinho deverá ser levado pela mão do escritor que ao redigir a sua obra deve, em simultâneo, explicá-la. Cabendo ao criador não apenas criar mas ser o decifrador da sua própria criação enquanto a mesma é «consumida». A literatura para ser rentável – dizem alguns, não pode ser «difícil». Valha-nos Deus que um leitor tropece numa palavra desconhecida ou se veja obrigado a desbravar um parágrafo, qual selva, antes de chegar a sua clareira e se deixar à contemplação da beleza. Aliás, o que sabe o leitor da beleza? Da arte? Enfim, do que é a própria literatura. Pior: mas o que é e não é literatura? – Questionam outros por aí. É a alienação total. O escritor vê a sua condição rebaixada à de «cão-guia» e o leitor, completamente infantilizado, à de imbecil. Eu não quero ler o livro de um escritor que ao fim de cada parágrafo se explica a si próprio e quase expõe os motivos pelos quais escreveu o parágrafo anterior. Essa espécie de criação masturbatória em nada dignifica a literatura.

O escritor não se explica. O escritor não precisa de se explicar e muito menos tem o dever de andar com o leitor de mão dada ou ao colo. Cabe ao escritor escrever com arte e cabe ao leitor seguir o escritor, perseguir a escrita, caçar o significado de uma boa narrativa ou poema, enfim: o prazer do descobrimento que a literatura proporciona. Quando se nega isso ao leitor, pergunto-me: para quê ler?

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